21 junho, 2008

O Inconsciente: produção e representação



A partir do século XVII, Descartes fundamenta pela primeira vez na história das idéias o conceito de sujeito. Sua teoria era a de que a verdade habita o consciente e a representação é o lugar da verdade. É com Descartes que a questão da subjetividade recebe sua primeira formulação: diante da incerteza quanto à realidade do mundo objetivo, ele afirma a certeza do cogito (penso logo sou) – o único ponto de certeza era o pensamento: “o pensamento é um atributo que me pertence – não sou senão uma coisa que pensa”. O sujeito do pensamento considera verdadeiro tudo o que a razão concebe de forma clara e distinta. A partir daí, a representação é o lugar da morada da verdade.
Com Sigmund Freud e a psicanálise, a partir de meados do século XIX, produz-se a derrubada da razão e da consciência do lugar sagrado em que se encontravam. Para a psicanálise, o sujeito é também o sujeito do pensamento, mas do pensamento inconsciente, pois Freud descobriu através de seus estudos e de sua prática que o inconsciente é feito de pensamento. Percebemos então que o que a psicanálise traz de novo, através da obra de Freud, é uma teoria e uma prática que pretendem falar do ser falante enquanto ser singular, ela vem ocupar um lugar de escuta do discurso individual, vem colocar a questão não do sujeito da verdade, mas da verdade do sujeito, vem apontar uma clivagem na subjetividade e que é identificado por Lacan como sujeito do enunciado e sujeito da enunciação. Daí a inversão lacaniana da máxima de Descartes: “penso onde não sou logo sou onde não penso”.
Ao falarmos em Freud, não poderíamos deixar de marcar a importância de Sàndor Ferenczi, seu correspondente permanente. Se fossemos fazer um paralelo entre os dois psicanalistas, nos depararíamos com a curiosa descoberta de que as duas obras se completam. Ferenczi parecia se interessar exatamente naquilo em era deixado de lado na obra de Freud. E essa noção de complementaridade é atestada pelo próprio Freud no necrológio de Ferenczi em 1933.
Mas, voltando a Freud, em 1867 ele escreve a Fliess (Carta 52) onde fala de suas idéias sobre o aparelho psíquico. A seguir em 1895, escreve o “Projeto para uma psicologia científica”, que desempenhou o papel da gênese da teoria psicanalítica. A proposta do Projeto era a de elaborar uma teoria do funcionamento psíquico segundo uma abordagem quantitativa. Neste texto ele fala do psiquismo como um “aparelho” capaz de transmitir e transformar uma energia determinada, da noção de quantidade de que os neurônios estão investidos, do princípio da inércia, da emergência do ego (diferente do ego da segunda tópica), da distinção entre os dois modos de funcionamento do aparelho psíquico (processo primário e processo secundário) e também faz um esboço de uma teoria do sonho.
Em 1900, com a Traumdeutung (A interpretação dos sonhos), sem dúvida um dos livros mais importantes do século, Freud desvela as leis do inconsciente (Unbewusst - Ubw), fazendo emergir o sujeito do desejo determinado pelas leis da linguagem. O desejo (Wunsh) é o enigma que impele o sujeito a saber. E é a estrutura da linguagem inconsciente que faz a psicanálise como práxis operar por meio da fala e sua ética ser definida por Lacan como a “ética do bem dizer”. Entre a elaboração do Projeto e A Interpretação dos Sonhos, há um fato da maior importância que é a descoberta do complexo de Édipo. No Rascunho N (1897), Freud escreve que os impulsos hostis dirigidos contra os pais são um elemento integrante das neuroses e que, no filho, esse desejo de morte está voltado contra o pai, enquanto que na filha está voltado contra a mãe. Freud ainda não usa o termo complexo de Édipo, o qual só aparecerá em 1910.
Em 1915, Freud escreve a sua teoria das pulsões (Trieb): “a teoria das pulsões é, por assim dizer, a nossa mitologia” São construtos teóricos onde Freud nos diz que “a pulsão é um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” ou ainda “a pulsão é o representante psíquico de estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente”. No inconsciente a pulsão é sempre representada por uma idéia, uma representação (Vorstellung), ou por um afeto (Affekt). Portanto não podemos deixar de perceber a diferença entre o representante psíquico da pulsão e a pulsão enquanto representante de algo físico. A Vorstellung (representação) é mais precisamente um conceito-chave, destinado a sustentar a teoria da pulsão. Laplanche aponta que existem dois tipos de representação, a que deriva da coisa, essencialmente visual, e a que deriva da palavra, essencialmente acústica.
Com os artigos da Metapsicologia a partir de 1905 haverá uma unificação teórica da pulsão e do inconsciente com seus jogos de linguagem. Os textos freudianos, o Projeto, a Psicologia da vida cotidiana junto com a Interpretação dos sonhos, e os Chistes e sua relação com o inconsciente, são textos que fundam o inconsciente. Eles constituem a “trilogia do significante do inconsciente freudiano”, na medida em que fundamentam a hipótese do inconsciente demonstrando-o como estruturado como uma linguagem.
Finalizando, tentando fazer mais um contraponto à teoria freudiana, gostaria de pontuar a frase de Michel Foucault: “um dia, talvez, o século seja deleuziano”. Esta frase mostra bem a importância do filósofo da diferença, o francês Gilles Deleuze, que junto com Feliz Guatarri, nos anos 70, através de seus trabalhos, trazem um novo olhar sobre o modelo freudiano/lacaniano, trazendo no bojo dessa nova perspectiva a possibilidade de desconstrução desses saberes já estabelecidos.

Regina Fernandes

2 comentários:

Anônimo disse...

Ler seus textos é muito prazeiroso. Parabéns.
Bj
Paulo

Anônimo disse...

Passando para ficar em dia com seus textos. Excelente!
Beijos
Karla