
sentia- me livre... louca
alma liberta
sensações, intensidade
viagem ofegante
trêmula, ferida
sentia-me louca... livre
humana, sensata
desrazão, agonia
sentia-me presa... solta
caindo no vazio
consciente, sofrida
sentia-me solta... presa
sem ter para onde ir
sem ter como voltar...
Regina Fernandes

Você me tem fácil demais
Mas não parece capaz
De cuidar do que possui
Você sorriu e me propôs
Que eu te deixasse em paz
Me disse vá e eu não fui
Não faça assim
Não faça nada por mim
Não vá pensando que eu sou seu
Você me diz o que fazer
Mas não procura entender
Que eu faço só pra te agradar
Me diz até o que vestir
Com quem andar e aonde ir
Mas não me pede prá voltar
(Paula Toller/ Herbert Vianna)

Olhei em teus olhos
neles nada busquei
nem me vi
reparei que me desnudaram
coração e mente
mentiram para mim
invadiram minha alma
levaram meu sossego
só pelo prazer de invadir
Regina Fernandes
O Bonde de Niterói - Anos 50.

Paulo Mendes Campos, em uma de suas crônicas reunidas no livro "O amor acaba", diz que devemos nos empenhar em não deixar o dia partir inutilmente. Eu tenho, há anos, isso como lema.
É pieguice, mas antes de dormir, quando o dia que passou está dando o prefixo e saindo do ar, eu penso: o que valeu a pena hoje? Sempre tem alguma coisa. Uma proposta de trabalho. Um telefonema. Um filme. Um corte de cabelo que deu certo. Até uma briga pode ter sido útil, caso tenha iluminado o que andava ermo dentro da gente.
Já para algumas pessoas, ganhar o dia é ganhar mesmo: ganhar um aumento, ganhar na loteria, ganhar um pedido de casamento, ganhar uma licitação, ganhar uma partida. Mas para quem valoriza apenas as mega-vitórias, sobram centenas de outros dias em que, aparentemente, nada acontece, e geralmente são essas pessoas que vivem dizendo que a vida não é boa, e seguem cultivando sua angústia existencial com carinho e uísque, mesmo já tendo seu super apartamento, sua bela esposa, seu carro do ano e um salário aditivado.
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Claro que têm dias que não servem pra nada, dias em que ninguém nos surpreende, o trabalho não rende e as horas arrastam-se melancólicas, sem falar naqueles dias em que tudo dá errado: batemos o carro, perdemos um cliente e o encontro da noite é desmarcado.
Pois estou pra dizer que até a tristeza pode tornar um dia especial, só que não ficaremos sabendo disso na hora, e sim lá adiante, naquele lugar chamado futuro, onde tudo se justifica.
É muita condescendência com o cotidiano, eu sei, mas não deixar o dia de hoje partir inutilmente é o único meio de a gente aguardar com entusiasmo o dia de amanhã.
(Martha Medeiros)

"... Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso, nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro..."
[Clarice Lispector]